sábado, 1 de julho de 2017

Dia 18 & T=fim - Crottes: o oásis no meio da exaustão. Família Da Silva, Obrigado!!

Estamos já de saída de Crottes, este pedaço de céu nos arredores de Paris. A sede, a Quinta da família da Silva: os anfitriões, os tios do João, emigrantes portugueses. Gente boa, de riso honesto e simples. 

Chegámos e imediatamente estávamos em casa. O João, pelas razões normais. Eu, não sei porquê. São aquelas coisas que não têm razão, não têm justificação. 
Simplesmente acontecem quando são características de pessoas com coração aberto, como as portas aqui de casa. 
Um dia a minha casa vai ser assim, portas abertas.

A quinta é simples, a paixão pelos animais é denunciada pelo amor no tratamento das éguas, cadelas, galinhas e gatos... A paixão pelos momentos importantes denunciada pelo tempo passado à volta da mesa, em família, com cozinhados de festa, do forno de lenha à panela da cabidela. Como se fosse sempre dia de festa. Se calhar porque é mesmo. Todos os dias são dia de celebrar o Amor em família, o pôr em comum os tempos de cada um, em histórias contadas e memórias vividas. 

Longe das urgências do mundo, todos conseguem cá passar umas horas. Aqui não se sobrevive ao mundo como estamos habituados, aqui vive-se.

Um dia li a pergunta de como se deveria medir a vida. Se se devia medir em anos, horas, minutos... Se em risos, gargalhadas, lutas, conquistas... Acontece que estou convencido que a maneira certa de medir a vida é medi-la em Amor. 
E aqui passam-se muitas coisas que não se pagam. Esta gente - gente boa! - usa o skype mesmo não tendo nada para dizer. Já tinha visto isto em Portugal, com a mesma família, mas não tinha entendido. É uma maneira de ESTAR. Quem se ama não precisa de estar a fazer coisas quando está junta, às vezes basta mesmo pura e simplesmente ESTAR. Sem mais. Só estar. E eu que não entendia os silêncios nas chamadas de skype...

Segundo dia, PARIS! Free City Tour, como sempre. Desta vez temos a companhia do Diogo, irmão do João para quem não sabe, que acompanhou o inglês do nosso guia com maestria! Penso que ainda lhe terá mandado um boca sobre Portugal ser campeão europeu enquanto falávamos de pastéis de nata. Sim, o nosso guia tinha estado em Lisboa e sabia o que eram pastéis de nata.

Para quem conhece Paris é fácil entender que 3 horas a pé dá para ver muito pouco. Estivemos apenas no centro, ali à volta do Louvre, onde por entre histórias de Napoleão e conquistas da riquíssima história francesa, o que nos ficou foram os pormenores da influência nazi na cidade (talvez por nos ter nitidamente marcado a viagem), em concreto o facto de grande parte da cidade ter sobrevivido aos ataques Nazi (instruídos para rebentar as bombas instaladas por baixo da cidade prontas para a destruição total) foi o general responsável máximo pela sua detonação, já com as forças de Hitler a perder a guerra, ter dado ordens a todas as forças terrestres retirarem para a Alemanha e ter mandado bombardear apenas a extremidade da cidade de Paris para que as forças em retirada vissem apenas uma cortina de fumo e pudessem dar o feedback que a cidade estava arrasada. Foi o que aconteceu, e toda a valiosíssima riqueza da cidade pode assim ser preservada.

Viagem de volta, transito monumental, mais de 1h30 entre carros, mesmo depois de fugirmos para bem fora do centro na complexa rede de metros e suburbanos. 


Há um evento na pequena vila de Crottes: Eucaristia este domingo! Não sabendo bem se a "crise clerical" é igual aqui e em Portugal, a verdade é que parece que por cá é das únicas missas este mês, senão a única. Eu e o João treinados nestas questões de celebrar a nossa fé à Mesa - como aquele Jesus de Nazaré tanto falava - claro, íamos. Porque não fomos durante todo este tempo e porque fazia todo sentido celebrar em pequena comunidade como era aquela. Dirigiram-nos um convite engraçado, tocar as musicas acompanhando o coro! A música realmente não tem línguas, e enquanto o coro cantava em francês, nós íamos acompanhando as pautas na sua língua universal. Fazer os nossos dons render e sentirmo-nos totalmente dentro da dinâmica daquela vila foi uma experiência comunitária brutal. Parece que tinha de ser assim! 

Outra particularidade: o padre! Pergunta-nos em francês de onde somos, de onde vimos, que andámos a fazer... e ao respondermos, ele começa imediatamente a falar em português connosco! Italiano mas com ligações ao Brasil, ainda se predispôs a fazer-nos uma maravilhosa massa italiana, mas nós íamos embora logo na terça feira... promessas de ficar para uma outra oportunidade!

No início da celebração, começa - para espanto de todos - em português: "A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Amor do Pai e a Comunhão do Espírito Santo estejam convosco". Espanto de todos, divertimento para quem sabia que nós estávamos lá. Entretanto a explicação por parte do padre, mas significou para nós - se dúvidas ainda houvesse - que estávamos a ser acolhidos, também daquela maneira, em casa.

Novo dia, desta vez, viagem à terra da Joana d'Arc. Enfim, onde tinha uma casa que ao que parece era dela que o Google nos disse que era ali mas na verdade parecia só uma casa. Perceberam a ideia? Sem Free City Tour não é a mesma coisa. Basicamente é esta a ideia: sem Free City Tour não é tão giro.

Os dias seguintes, um, dois, uma vida a que soube aquele descanso, passaram em família e, de resto, só faltava mesmo o regresso, o cheiro ao nosso Porto com o Douro serpenteante até ao Atlântico como cartão de visita... como se viéssemos visitar... como se não estivéssemos a regressar. 


E pronto, hora de despedidas e agradecimentos!
Antes de mais, a todos os que tornaram possível esta experiência:
Família da Silva, nossa Família à chegada da experiência de uma vida, em Crottes;
Aos papás, mamãs, manos, vovós, titios e titias, primos e primas que tiveram medo por nós mas que nos apoiaram e confiaram que esta viagem nos ia fazer crescer (e como...!);

E também...
Sérgio e Luísa, pelas incansáveis e valiosíssimas dicas de quem por lá passou;
Ana, pelas dicas (outras dicas, para não repetir as de cima) + mochila (que se portou lindamente, devo dizer) + aquela cena que transportou o dinheiro sempre seguro e que nunca sei o nome;
Sandra, André, pela vossa presença e força constante que nos deram;
Regina, Rute e Ana Ascensão, pela consultoria médica e incrível mochila de primeiros-socorros, felizmente inútil;
Inês e Magdalena, pela vossa experiência em assuntos europeus (muito especificamente, comidaaaaaa);

E quase finalmente, mais uma vez ao Sérgio, que me pressionou a fazer este blog até conseguir. E, verdade seja dita, acabámos por empatar na originalidade do nome ;)

A todos, pela enorme força e pela presença assídua neste blog - e em nós - durante a nossa viagem. 

Obrigado porque esta viagem foi profundamente marcada por pessoas.

OBRIGADO.




segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Dia 17 - Paragens em Zurique e Paris

A viagem para Paris foi marcada pela primeira vez que tivemos de fazer tempo na estação até depois das duas da manhã. A noite, calma e fresca passava com a nossa composição atrasada, segundo os avisos "devido a uma operação de salvamento". Ficámos intrigados como vocês devem estar, mas não obtivemos mais do que isto.

Durante a noite, mais uma fiscalização, desta vez a passar o Liechtenstein.

Na cabine ao todo éramos três. As seis cadeiras recostadas faziam uma cama para cada um, e a noite acaba por passar tranquilamente, como os Alpes.

Em Zurique estamos uma hora, o tempo da ligação para o TGV que nos levará a Paris. Reserva da viagem e passeio rápido na cidade. Não deu para compreender o nível de preços do país, a julgar pelo antigo sistema de transportes e por uma ou duas coisas que nos saltaram à vista.

Próxima paragem, Paris só para almoçar e fazer a ligação para Orleans.

domingo, 4 de setembro de 2016

Dia 16 - Salzburg: Música no Coração, Mozart, fábulas

Talvez seja da abundância de água naquela zona, a mudança de país marca também as paisagens mais verdejantes que eu já vi. A razão pela qual quero ir à Escócia encontrei-a naquela zona da Áustria: planícies, campos e mini-colinas cobertas de um verde imenso e sem cercas. Sim, se há coisa que gosto de ver é verde sem fim, sem marcas.
Nós é que adoramos colocar as nossas bandeirinhas em cada metro a mais que conquistamos.
Como se isso fosse a finalidade do ser humano.
Como se a finalidade não fosse amar e partilhar.
Como se marcar território não fosse só de animal.

Nesta viagem até Salzburg a paisagem apaixonou mesmo antes do destino. A vontade era claramente deitar ali tardes, dias, a desfrutar a natureza.


Salzburg. Muito haveria a dizer da cidade da "música no coração". Muito haveria a dizer da cidade que viu nascer o Mozart, marcada pela grande fachada amarela por entre as ruelas comerciais de um tom medieval.
Risos, mercadinhos, tabuletas. (Também as modernas bolas de sabão na praça Mozart)





Mas não há muitas palavras para esta tarde em que vimos mais gente e bicicletas e descansámos nas margens verdes do rio Salzach. É a cidade que imaginaríamos se sonhássemos uma fábula.


Esta noite (terça para quarta) seguimos para Paris, o nosso destino final, com paragem em Zurique para pequeno almoço.

sábado, 3 de setembro de 2016

Dia 16 - Munique

Olá!
Como disse, dias sem parar, os últimos, e a maratona Milão-Munique-Salzburgo-Zurique-Paris em dois dias e duas noites sempre deixaram a sua marca. Escrevo-vos já de Paris, onde paramos os últimos dias.

Depois de uma noite difícil, chegámos a Munique!

Ainda de madrugada saímos da estação principal de Munique. Manhã fresca, nublada, iniciamos o caminho para as nossas Free City Tours. O tempo vai ser tão pouco que vamos fazer o Free City Tour e pouco mais. Chegámos à praça central ainda não passou meia hora das 7. O comércio local está a abrir, o comércio para turistas nem isso.

O João senta-se, eu vou caminhar. De mochilas pousadas é mais fácil. Não pelo peso - esse já não se sente - mas porque não há preocupação da casa às costas e necessidade de ter tudo. Encontro uma barraquinha perfeita para pequeno almoço.

10h da manhã, temos tour. A Heather é americana e mudou-se com o marido para cá. Munique é uma cidade maioritariamente católica mas invadida por protestantes na guerra dos 30 anos. A história reza que os protestantes foram comprados para abandonar a cidade: a ouro e cerveja. Muita cerveja. Mas claro, nada disso conta na hora da sua devoção: a sua libertação é, para todos os efeitos, devida à nossa senhora presente na estátua da praça central.

Aliás, de onde vem a palavra "Munique"? Literalmente da palavra "monge". Os monges tinham um grande dom para produzir cerveja e utilizavam-na como moeda de troca.

Mais à frente da praça, um monumento erguido por Luís I para celebrar o exército da Baviera (que na verdade basicamente não viu guerras). Tem uma coisa em particular. Dois leões ligeiramente diferentes. Um de boca fechada, do lado direito, virado para a igreja, símbolo de que contra as verdades da igreja nunca devemos abrir a boca. Pelo contrário, do lado esquerdo, e virado para a casa imperial, um leão de boca aberta, simbolizando a liberdade de expressão e do dever do povo questionar sempre quem os governa.
Claramente o Hitler não conseguiu interpretar esse simbolismo quando tornou esse lugar num memorial para os Nazis e tanta falta de visão evidência as razões pelas quais não foi aceite na escola de artes para onde concorreu em Viena.

Mais à frente a casa da Ópera. O edifício ardeu várias vezes até que se decidiu em vez do tradicional telhado triangular, fazer um triângulo invertido para que este retivesse a água das chuvas e assim inventaram o primeiro sistema anti-incêndio moderno! Com um pequeno senão. É que o raio da casa voltou a arder, e quando foram a ligar o maravilhoso avant-garde sistema, o que aconteceu? Pico do inverno, água congelada. Segunda solução? Água do rio!! Ups, congelada. Ok, então que líquido têm a cidade de Munique aos milhares de litros que não congela? Exatamente: Cerveja. Mas apagar o fogo com cerveja dá sede, e entre o apagar e o beber, bom, vocês entendem onde é que a história vai parar... Em festa da cerveja com uma lareira bem quentinha.

A Cerveja: aqui pela Baviera há uma lei desde mil setecentos e troca o passo sobre a pureza da cerveja. Apenas há 3 ingredientes permitidos, a saber: água, cevada, lúpulo. Bebidas como a Heineken não estão autorizados a dizer que vendem cerveja e não podem estar presentes no oktoberfest (o verdadeiro festival da cerveja, criado também pelo tal Luis I).

Mudando de assunto (para o do costume):
Ainda neste blog hei-de escrever um post exclusivamente sobre o terceiro reich. Acho que faz sentido porque a história europeia, e por consequências as nossas tours, foram profundamente marcadas pelo regime nazi, talvez também, no nosso caso, pela proximidade histórica. Assim sinto que nunca vou conseguir falar em condições disto. Hoje queria só deixar um apontamento: há uma expressão alemã - evidentemente impronunciável - que significa qual quer coisa como "ficar em paz com o passado e transformar memórias com carga negativa em coisas com carga positiva". Sim, é complexo e tem mais de 20 letras. Por aqui leva-se isso a sério, e por exemplo onde se deu a reunião que despontou a noite de cristal é agora uma loja de brinquedos, ou os escritórios administrativos das SS que se tornaram galerias de arte...

Interessante, Munique. O mais interessante foi, na verdade, saber que (à lá alemã), 82,5% dos edifícios foram destruídos na segunda guerra mundial, e uma das coisas que os nazi fizeram ao ver a guerra iminente foi documentar fotograficamente toda a cidade e guardar os arquivos num sítio que nunca chegou a ser bombardeado. Ora, na altura da reconstrução, foi perguntado ao povo de queriam uma cidade nova ou uma cidade reconstruída como era antes. E o povo escolheu a reconstrução como existia antes (ao contrário, por exemplo, de Frankfurt, que viveu a mesma situação). Munique é, então, das cidades onde se vive história que simultaneamente é mais nova... Dá um valor à história gigante.

E aqui, o nosso almoço!



terça-feira, 30 de agosto de 2016

05:00 - Identificação.

Passam pouco das 5h da manhã, acabamos de passar a fronteira com a Áustria.

Batem à porta da nossa cabine:
Polizei. ID or Passport.

Um de nós os 4 não tem, só tem um papel. É refugiado. Origem: Síria.

Um rapaz como nós. Da nossa idade. Com uma mochila igual à nossa. Como nós.

Vai acompanhar os polícias.

Paramos na estação seguinte prevista. Ao todo conto 10 ou 12 que vinham no nosso comboio. Na nossa composição. Homens, mulheres, 3 ou 4 adolescentes. Com malas como as nossas, telemóveis como os nossos.

Como nós, porra.

Depois da estação volto a sair para o meu espaço preferido neste comboio, o corredor.

Vejo os Alpes ainda escuros lá fora enquanto cruzamos a 150 km/h. Entre eles e os túneis, as diferenças de pressão confundem-me a cabeça.

Volto para a minha cama. Posso voltar a adormecer. Nasci do lado certo do planeta, ao que parece... Tenho quem amo em segurança. Posso dormir.

06:15
Ainda não estou a dormir. Aproximamo-nos da fronteira, agora com a Alemanha. Novo par de polícias, bom dia em alemão e inglês, e pedem mais uma vez identificação.

Agradecem em inglês e alemão, e continuam pelo corredor - a cabine restante nesta altura já vai vazia - e levam mais um senhor.

Um senhor como nós.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Inspira. (dia 15 - Milão)

Hoje não houve Free City tour por limitações logísticas. O que significa que a cidade aconteceu por aquilo que eu já conhecia, visita rápida ao Duomo (a catedral magnífica, símbolo da cidade), o "quadrilátero da moda" (as ruas das marcas mais caras do mundo - sabemo-lo porque é cada porta cada segurança), e San Siro (o estádio de futebol partilhado pelo Inter de Milão e pelo AC Milan, coisa que o Sporting e o Benfica não quiseram fazer em Portugal).

Hoje dedicámo-nos a experiências, o almoço no restaurante "da Puccine" onde também já tinha estado, os gelados maravilhosos, os aperitivos antes de jantar na calma no canal de Milão (deve ter um nome que eu não conheço, mas é giro!).

Mas não é disso que quero falar hoje. Como já devem ter entendido, vou aproveitando os momentos mais parados para escrever. De dia é por norma impossível, aproveito a calma das camas do comboio e dos hostels. Mas hoje vim escrever para o corredor do comboio. Nas camas está silêncio, o silêncio de quem dorme. Mas no corredor o silêncio é outro. É o silêncio do mundo que continua a girar, o silêncio do mundo que inspira para novamente amanhã voltar à carga.

Sim... Hoje é sobre inspirar.
Inspirar o silêncio. O silêncio dos grilos... O silêncio de uma ocasional música numa ocasional estação, de um ocasional vigilante. Mas esta música e estes grilos não anulam o silêncio. Por estarem no meio do nada parece que o engrandecem. Num mundo cheio de ruídos, este "silêncio" é por demais apreciado.

Sim... Hoje é sobre inspirar.

Inspirar confiança. Num mundo aturdido de atentados para espalhar terror, inspira-se segurança. Militares, armados de metralhadoras mas sorridentes, vagueiam pela estação central. A estação de comboios é o novo aeroporto, ninguém passa aos terminais de embarque sem ser identificado e com bilhete. Aleatoriamente, uma ou outra pessoa de malas revistadas. Hoje no comboio já nos avisaram: às 5 da manhã a polícia vai identificar todos os passageiros. Agradece-se o zelo...

Inspirar a integração inter-cultural. Estávamos chateados porque nos obrigaram a fazer uma reserva para cabines de 4 camas porque já não havia de 6 (com um custo ridiculamente alto) só para chegarmos e a nossa cabine ser precisamente igual às outras, com 6 camas. Aí chega Mohamed, a pessoa mais "não há problema" à face da terra, que rapidamente transforma a nossa cabine numa de 4 camas (a questão não era essa, nós queríamos era de 6 camas com uma reserva mais barata!), mas o homem inspira uma calma e resolução tais que não há como não ficar de sorriso na cara! A reclamação há-de ficar para outra altura e quem de direito. Já aqui no corredor uns 20 minutos depois do episódio, pergunta-me de onde sou: "Portugal? Sou de Marrocos! E o meu colega [que ia a passar, também super prestável], é da Argélia!", digo-lhes que então eles falam francês. Claro que falam, passa a ser essa a nossa língua oficial entre sorrisos e trocas de palavras sobre quão próximas são as nossas línguas. Inspira-se bem, aqui.

Inspirar o centro da Europa. É a terceira vez que vamos à Áustria nesta viagem e só a visitamos uma vez. O ritmo das nossas viagens até ao destino final de Paris está definido e vai ser uma loucura. Já não há mais hostel e ainda há Munique e Salzburgo para ver, por isso, tempo de inspirar. Preparar o coração, treiná-lo no esforço do sorriso e da compreensão, porque o cansaço é ladrão de paciência... Se tivermos um músculo forte, aguentamos mais! E sabemos bem o que é preciso para que o cansaço não nos roube o sorriso e discernimento quando é preciso dizer que não aos vendedores que nos abordam (sempre uns 50 por dia), nem nos roube o sorriso de nos suportarmos um ao outro!

É engraçada a expressão "suportar", dei-me conta há uns tempos. Suportar, SER SUPORTE! Quando temos suporte não caímos! Parece tão simples e fácil, mas temos tão entranhado na nossa boca o "não o suporto!"...

Fazer um interrail é exatamente sinónimo de suportar.
Sim, hoje é dia de Inspirar isto.
E fazer um interrail também é alargar - forçar, escancarar! - os horizontes do nosso pequeno retângulo à beira mar plantado. Mas isto é para outro dia.

Amanhã, Munique.
Mas hoje é que conta. E hoje é dia para inspirar.
A noite. A calma. A vida.
Dia de inspirar.

domingo, 28 de agosto de 2016

Dia 14 - Veneza

Chegámos a Veneza! E que cidade apaixonante! Cheia de confusão, cheia de vendedores de selfiesticks e umas coisas tipo pega monstros e imensas malas (verdadeiras, claro). Mas... Apesar de toda esta distração, é impossível não nos deixarmos fascinar pelo óbvio.

Não há carros. Há água.

Sim, todos sabemos isto. Mas estar cá... Não há carros!!

Há ondas quando os barcos (estão por todo o lado) passam. Há autocarros (barcos), há táxis (barcos), há ambulâncias (barcos), há bombeiros (barcos), e há carros fúnebres (barcos, pois claro). Já é diferente imaginar, certo?



É ver tudo o que sempre vimos mas de um ângulo diferente!

A uma cidade antiquíssima e chegou a ser a República de Veneza (sim, democracia) desde o século onze. Chegou a ter o seu império espalhado pela Croácia e várias ilhas gregas e veio a ser a república independente mais antiga do mundo até que no tempo de Napoleão já não se podiam defender e foram invadidos.

Ainda assim, para terem uma ideia, na altura Veneza tinha 4 vezes mais habitantes do que Roma.

Por que é que esta terra era tão importante? Porque era o centro de trocas com o continente asiático: especiarias, linho...

Veneza perde a sua centralidade quando um sujeito de nome Vasco da Gama (não sei se já ouviram falar) descobre o caminho marítimo para a Índia, e passa a trazer os mesmos produtos para Portugal com custos baixíssimos comparados com a quantidade de taxas cobradas da Índia até Veneza pelo caminho continental. Além disso, também foi um fator relevante a movimentação do capital para as Américas recentemente descobertas, tirando o foco tão acentuado no consumo deste tipo de importação.

Aqui a porta de casa dá para a água! Ah pois que simples, em vez de ter passeio, tem água.
Não, não é simples!! Já imaginaram?


Já imaginaram as fundações das casas?
É uma espécie específica de Pinho que petrifica quando é privado de oxigénio e só assim podem ter casas com mil anos.
E já imaginaram o consumo de água?
Têm-na por todo o lado mas é salgada! Têm um sistema de recolha das águas pluviais no chão que depois passa em areia (que a filtra) e finalmente é armazenada numa cisterna. A nós parece-nos só um poço no meio de uma praceta. Atualmente a água já vem canalizada da Itália continental, mas já viram a sofisticação para a altura?


A cidade não é simples, nada! Mas é linda. Ruelas como o Porto mais antigo, estreitas, muita pedra e calçada incerta...
As ilhas são 177 separados por pontes e, como já disse mas não me canso de repetir, canais a fazer de rua.
Isso implica que a porta principal de nossa casa seja uma porta para o barco! Das coisas mais maravilhosas que vi hoje, a sério.



Se a importância era exatamente ter a casa chegada ao canal, então o que havia no espaço interior das ilhas? Campo. Galinhas. Terra. Todas as 177 ilhas auto-sustentáveis. E sujas. Tanto que os senhores queriam mesmo era ir diretamente para o barco, não fosse sujarem a vestimenta!

Já imaginaram as caves? Pois, não há. Há o piso térreo, que são arrumações e às vezes garagem, e o piso primordial e de janelas maiores era o piso dos donos da casa. O último, dos criados, que rachavam do calor e do frio...



Ah, as máscaras! As máscaras típicas de Veneza eram uma necessidade na altura. É que em Veneza toda a gente se conhece, e se houvesse quem se quisesse encontrar para fazer um negócio sigiloso, ou encontrar-se com a seu/sua amante, não havia outra maneira senão as máscaras.

Ah! Adoram gatos. O hospital público tem uma colónia de gatos lá a viver. Pergunta para queijinho: por que os gatos eram sinónimo de saúde na cidade de Veneza?
Ratos. Os ratos trazem as doenças, e os gatos adoram ratos. Aliás, era proibido por lei alimentar os gatos, para que estes caçassem. Se uma grande parte dos gatos morresse ao mesmo tempo, importava-se mais gatos da Croácia. O que também em princípio significaria que tinham acabado de se livrar de um surto de alguma doença.

Antes da nota final (que é uma delicia): Veneza tem cheias regularmente. 10 no ano passado, 3 até agora este ano. As casas com portas mais baixas tem algumas proteções que protegem a casa mais uns centímetros. Cada pessoa sabe a altura de sua casa, é senso comum em Veneza, é básico!
Nota final: há uma livraria - chama-se, ironicamente, "cheias" - e sim, adivinharam, é comum inundar. Proteções? Nenhumas que sejam banais. Tem uma gôndola ao centro da livraria onde estão livros, e se inundar, a gôndola flutua. Outros livros que estejam no chão, já em caixotes não vá o dia o tecê-las. Quem gosta do cheiro a livros vai adorar lá ir. Montanhas de livros, ouro que ali está! E não estou a exagerar, são livros por todo o lado. Se um dia tiver uma biblioteca em casa, gostava que fosse assim.



Capitulo gastronómico: experimentamos o tradicional Spritz (nada de especial), e pronto, apesar da Pasta não ser daqui mas do sul de Itália e a pizza da região de Nápoles, a pasta ao dente do almoço e a pizza do jantar a ver Veneza... Soube como se fosse a melhor fatia de pizza de sempre.


Veneza, és encantadora. Grazzie!